Os anjos do Ninho do Urubu

O que o trágico incêndio no alojamento do CT do Flamengo pode apresentar de caminhos para as mudanças na formação do jogador de futebol brasileiro.


Assistimos a algumas tragédias coletivas no Brasil, todas muito comoventes e de difícil aceitação, não foi e nem é fácil aceitar sonhos e vidas sendo ceifadas e interrompidas, particularmente não aceito e não aceitarei.  

Escrevo com imensa tristeza este artigo e teço meus comentários sobre algo que nunca imaginei escrever, estou muito emocionado, mesmo após uma semana do incêndio no alojamento do CT do Flamengo, que matou dez meninos que sonhavam em se tornarem jogadores de futebol e obterem sucesso como Vinicius Jr. e Lucas Paquetá.

Tragédia que comoveu um país inteiro e que me faz refletir sobre o processo de formação no futebol, sonhos individuais de jovens e a importância do papel do pais.

O esporte de alto rendimento tem como característica intrínseca a competição. Nos casos dos clubes formadores, há crianças e adolescentes de diferentes partes do Brasil que buscam ascensão social e a realização de seus sonhos individuais por meio do futebol. E pensar que menos de 1% irão se tornar profissionais, é muita exclusão dentro do processo de seleção da base até os profissionais, o complicado dessa situação é muitos deixam de estudar, de ter uma vida social para se dedicar integralmente ao futebol. E o Ministério Público virá as costas para essa situação, não cumprindo seu papel fiscalizador dos clubes formadores.  

Os clubes estão preocupados com a formação esportiva e poucos se preocupam com a formação social dos jogadores, pensando apenas no retorno do investimento econômico que uma possível venda possa ocasionar. Recentemente o Flamengo lucrou 2/3 dos 45 milhões de euros da venda de Vinicius Jr. ao Real Madrid, detalhe o Real comprou o jogador com 16 anos e sem que ele nem sequer ter atuado nos profissionais, depois da venda que o Flamengo foi aproveitá-lo nos profissionais e 70% dos 35 milhões da venda de Lucas Paquetá ao Milan. O sucesso dessas negociações credenciaram o Flamengo a entrar no ranking das vendas milionárias no mercado do futebol.

E como são tratados os outros 99% dos meninos que não se tornam jogadores de futebol. Assim, pergunto: qual foi a formação que receberam dos clubes para a sequência das suas vidas para uma atuação em sociedade. Penso nos muitos que não conseguiram se tornar jogador de futebol profissional, mas que serão cidadãos. Neste caso, o esporte nestes contextos contribuem para o ensino de valores, especialmente, para uma vida em sociedade.

Precisava de uma tragédia dessa magnitude para repensar a formação, o trabalho de formação e a necessidade de uma maior estruturação da base no futebol. Acredito que clubes com modelo de atuação mais humanistas e com trabalho de equipes multiprofissionais deve ser exemplo e referência no momento atual. A formação deve ser repensada a partir da perspectiva da valorização do ser humano. Crianças e adolescentes não são mercadorias, são seres humanos em processo de formação e tratá-los como mercadoria é desumanizá-los.

Os anjos sonhadores no ninho do urubu, neste caso em especial, carregavam responsabilidades, demostravam um amadurecimento, isso desde cedo e alimentavam o sonho de tornar-se novos Vinicius ou Lucas para trazer tranquilidade as suas famílias, como eles ascenderem socialmente, por meio do futebol.  

A partir desse triste episódio fico me perguntando a todo momento: quais são as prioridades dos envolvidos no processo de formação no futebol? Os interesses dos dirigentes, empresários, famílias e jovens jogadores são os mesmos?

Por outro lado, destaco a grande comoção dos clubes, das pessoas, do país inteiro e de boa parte do mundo, acredito que não poderia ser diferente, ao momento de imensa dor das famílias dos garotos, repito anjos sonhadores. Espero que essa lamentável tragédia apresente caminhos mais humanos no processo de formação esportiva e que possamos aprender com essa imensa dor.