Rogéria O Rio de Janeiro é considerado o cartão postal do Brasil. E foi no clima da Copa do Mundo que encontrei minha entrevistada. De óculos escuros, cabelos presos e com um bom humor Rogéria me recebeu em seu apartamento no bairro do Leme, na cidade maravilhosa. Diante de quadros e troféus espalhados pela pequena sala de visita com fotos de sua trajetória, a artista que canta, dança e interpreta conversou comigo por uma hora e contou um pouco de sua carreira de altos e baixos mas que sempre a arte superou todos os obstáculos.
Como está sua vida atualmente?
Estou com um programa no Canal Brasil há três anos. Achei legal por ser um canal de cinema brasileiro, aliás o cinema brasileiro está produzindo muito.
Quando a senhora está no palco a senhora se transforma? Consegue separar a Rogéria do Astolpho?
Querido, Rogéria é sempre Astolpho. Uma vez Maria Alice Vergueiro, uma grande atriz, disse assim: "Rogéria, por mais que a gente mude no palco, sempre somos a mesma pessoa". O espetáculo naquela época era para ser seis meses e ficou quase um ano. Tinha Gerson Brenner no elenco e aquele moço maluco, assassino da Daniela Perez, o Guilherme de Pádua. Dava para se ver que aquilo era um psicopata.
Qual foi a pior coisa que já aconteceu na sua vida?
O acidente de carro aos 39 anos. Estava surgindo a Roberta Close, poderiam fazer uma confusão. Eu nunca me importei com isso porque eu tinha uma carreira. Coitada, a Roberta hoje é cobrada, pois esse negócio de você só se sentir bonita não funciona não.
Por que a Roberta Close é cobrada?
Porque ela disse para mim que nunca quis ser atriz, que não é artista. Ela tem razão.
E o que ela é?
Ela é uma transsexual, fez trabalho de manequim. Teve oportunidades, mas não era dela, diferente de mim que nasci artista.
Qual a importância da Parada Gay? A senhora apoia?
Eu não vou muito não, pois já sou uma Parada Gay. Eu sou a Rogéria. Eu apoio em parte. A família brasileira não gosta de certas coisas. Eu não gosto de ver dois homens se beijando, mostrando para aquele público que está com as crianças ali. Isso é exibicionismo. Não gosto! Sou a Rogéria. mas eu agradeço à família brasileira, porque eu posso não mexer na internet mas eu adoro os internautas. Nas ruas eu falo com todo mundo. Em São Paulo quando morei lá era uma loucura. Nunca parei tanto carro, ônibus, até no bairro dos jardins eu fiz um ônibus parar e umas meninas saltarem para me beijar. Isso é muito gratificante.
Rogéria Tem uma teoria que diz que quando o homem repudia muito o homossexual, é porque algo dentro dele é semelhante. A senhora concorda com isso?
Claro! Homem que é homem não tem medo de bicha nenhuma, inclusive se um gay chega perto de um homem e o cara diz que não curte, a bicha se recolhe imediatamente. No entanto eu fui dizer para um senhor que eu não gosto de senhor e ele me disse: "Mas você é uma senhora!". Então eu respondi:"Mas eu sou uma estrela e estrela não tem idade!".
Vale a pena ter a vida que tem, ter sido quem a senhora foi e ainda é com o reconhecimento profissional?
Se eu tivesse que voltar numa outra encarnação e voltar nessa pessoa que sou, eu voltaria felicíssima. Valeu a pena. Por que? Bom filho, tive uma mãe maravilhosa, parentes divinos. Sou artista. Disse para Elis Regina que ela ia ser a maior, fui amiga da Elizete Cardoso, íntima, divina, toda Rádio Nacional, Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira.
Aliás, foi a Bibi que apresentou a senhora para a televisão, não foi?
Ela me apresentou nos anos 60 em preto e branco na Tupi cantando com a Brigitte de Búzios.
O Brasil é visto como um país de sensualidade, de beleza, de vaidade, mas o país passa por um processo de moralismo, digamos politicamente correto. Qual a sua opinião?
Horrível. Acho ridículo pessoas que colocam religião na frente do que vai falar. O ladrão mata, no dia seguinte aparece um advogado com a bíblia na mão dizendo que Deus salvará ele. Isso é mentira. Jesus Cristo expulsou os farizeus na porta que faziam mercadoria. Então não acredito nisso.
Você é sempre Rogéria 24 horas por dia?
Fui fazer um show e uma mulher me disse que eu vim ao mundo para alegrar as pessoas. Fiquei muito feliz. Mas aqui é uma desconstrução do mito Rogéria. As pessas acham que eu vivo eternamente no glamour. isso é mentira. Eu sou Astolpho Barroso Pinto, eu separo as coisas no momento que eu entro para dentro desse apartamento pequeno mas que é enorme para mim.
A personagem da atriz Beatriz Segall em Vale Tudo, novela de Gilberto Braga exibida em 1988, dizia que esse país não tinha mais jeito, que era mesmo a terra dos tupiniquins. Esse ano é um ano eleitoral. A senhora acha que país têm saída? Confia que o Brasil pode melhorar?
As pessoas me perguntam se eu tenho vergonha de ser travesti. Não! Eu teria vergonha de ser ladrão. Eu me matava! Esses homens se expõem, aparecem todos os dias com as caras nas televisões. Eles não têm vergonha de serem ladrões. Enquanto o brasileiro não estudar, como você, um jovem jornalista, esse país não vai para frente.
O que a senhora acha do deputado Marco Feliciano, por exemplo?
Podre. Não tem carisma. Sabe falar, mas será que sabe teologia realmente? Será que estudou oito anos mesmo? Não venha tentar me convencer um ser de Cristo que sou a dizer que tem uma cura gay. O Brasil está retrocedendo, as pessoas estão na tal bolsa família, todas nessa base, os políticos são uns frouxos. O PT entrou e é um escândalo. Como disse Maria Bethânia: "Meu país se não estiver com a educação em dia, nada acontecerá aqui". É a grande verdade, porque eu respeitei a professora meu amor, eu fui garoto traquina, eu pulei muro quando criança, peguei goiaba no vizinho, cachorro correu atrás de mim, quer dizer eu fui tudo isso e fui parar em Paris para ser estrela. Veja que maravilha! Uma trajetória feliz com meu apartamento comprado desde meus 30 anos de idade. Vivo com dignidade de ter tido uma trajetória de sucesso. Sou muito feliz por isso.