Loira Com mais de quarenta anos de jornalismo, obviamente que sou de outros tempos. Era época de um jornalismo mais romântico, onde a gente virava as madrugadas com o encanto e a magia da juventude atrás do melhor texto, a foto perfeita, o título adequado.
Ainda havia as mesas de diagramação. Sentavam de um lado o jornalista, de outro o diagramador. E a página era desenhada a caneta – azul e vermelha – numa escala reduzida a 50% da página do jornal. Eram programados primeiramente os anúncios. O espaço que sobrava, a gente botava as notícias, fotos, ilustrações. Os títulos eram um capítulo à parte. O saudoso Donizete, meu diagramador preferido, pegava os textos, contava o número de linhas, calculava com réguas numa medida chamada Cícero e vaticinava: “Camões, estou te pedindo 2 de 30. Você güenta meu filho?
Posso deixar por 3 de 15”. Traduzindo, para quem não é do ramo: ele queria que eu elaborasse o título com duas linhas de 30 toques cada ou três linhas de 15 toques.
Eu, filho de um modesto sitiante, nascido na roça pelas mãos de uma parteira, que teria como destino cuidar de um quarto de terra e de umas vaquinhas, trabalhando nos grandes jornais, ValeParaibano, Estadão, Jornal da Tarde.
Não vou dizer onde nem em que circunstâncias se deram essas histórias, em respeito aos colegas envolvidos. Era um momento sazonal de poucas vendas em banca e de queda no número de assinantes. Nosso editor regional, um jornalista formidável, em uma reunião disse que precisávamos dar uma sacudida no jornal e que alguma coisa teria que ser feita para incrementar as vendas e motivar a redação.
Resumo da ópera: foi quando surgiu a história da loira da Dutra. Uma mulher vestida de noiva que, como um zumbi, assustava os caminhoneiros. Rendeu muito essa história. Na mesma época, apareceu o tal do bicho peludo do bairro do Barreiro, que ganhou suíte por muitas semanas.
Lembro-me dessas histórias saborosas de nossa imprensa, ao deparar em meu arquivo com um caso típico de loira. Senta que lá vem história...
Numa noite escura e de temporal, estava uma escultural loira na beira de uma estrada mal iluminada pedindo carona. Nenhum carro passava, e a tempestade estava tão intensa que ela não conseguia ver dois palmos à frente do nariz.
Subitamente, ela viu um carro aproximar-se dela e parar. Radiante, saltou de imediato para dentro do carro, fechando a porta, e se deparou com o fato de não haver ninguém no local do motorista!
O carro reiniciou então a marcha, lentamente. A moça olha para a estrada e vê uma curva aproximar-se, estando o carro a dirigir-se para ela perigosamente.
Aterrorizada, e ainda mal refeita do choque de se encontrar num carro fantasma, começa a rezar fervorosamente para que a sua vida seja poupada. E é nesse instante, quando a curva se encontra a apenas uns escassos metros do carro, que uma mão surge da janela do carro e move o volante.
Paralisada de terror e medo, ela continua a observar as constantes aparições da mão, antes de cada curva do caminho.
Até que, reunindo as forças que ainda possuía, salta do carro se ralando toda e sai em disparada, desesperada, para a cidade mais próxima.
Cansada, encharcada e em estado de choque, entra num café onde toma de imediato dois drinques, um Martini e Blood Mary, relatando o que lhe havia acontecido, perante o olhar estarrecido dos outros clientes.
Logo depois dois homens entram no mesmo café, absolutamente encharcados, exclamando então um para o outro: - Olha lá, a loira retardada que entrou no nosso carro enquanto a gente empurrava!
Camões Filho é jornalista, escritor e pedagogo, pós-graduado em Jornalismo e Assessoria de Imprensa. E-mail do autor: camoesfilho@bol.com.br