Como a França se divide por causa da restauração da Notre-Dame
Macron e seus apoiadores querem fazer uma igreja nova, enquanto arquitetos e professores defendem que ela seja reconstruída tal como era antes do incêndio
Restaurar ou inovar? Desde que um terrível incêndio devastou a catedral de Notre Dame, em Paris, em abril, a França está dividida entre aqueles que querem ver a igreja histórica restaurada precisa e deliberadamente à sua glória anterior e aqueles que ficam ao lado do presidente do país, Emmanuel Macron, que afirma gostar da ideia de reconstruir a Notre Dame "mais bonita do que ela já era".
Macron também insistiu que a catedral também estará pronta dentro de cinco anos. "Nós somos um povo de construtores", disse ele no dia seguinte ao incêndio. "Temos muito o que reconstruir", completou.
No entanto, ao invés de ser um projeto unificador, a complicada questão da restauração da Notre Dame se tornou uma metáfora da batalha entre a visão de modernização de Macron, uma "nação startup", e um grande número de cidadãos franceses que não querem que se mude um tijolo na construção atual. Isso ficou claro quando cerca de mil curadores, arquitetos e professores assinaram uma carta pública ao presidente aconselhando-o a esperar e refletir em conjunto sobre a reconstrução do templo.
"Nos dê um tempo para que elaboremos um diagnóstico", diz um trecho do documento. "Ouça os especialistas, vamos reconhecer seus conhecimentos e, então, sim, vamos fixar um prazo ambicioso para uma restauração exemplar", afirma outro.
Pesquisas indicam que mais da metade da população querem que a Notre Dame fique do jeito que era antes do fogo. No mês passado, o Senado francês aprovou uma lei dizendo que ela deveria ser restaurada apenas levando em conta o seu aspecto pré-incêndio, enquanto Macron aprovava um concurso internacional por projetos arquitetônicos inovadores.
No centro da discussão modernizadora está a flecha que ficava no alto da igreja e que caiu com o fogo: desenhada e construída por Eugène Viollet-le-Duc em 1859 com 93 metros de altura, ela era considerada uma obra-prima neogótica. Quando Macron declarou que um "gesto arquitetônico contemporaneizador" seria uma substituição apropriada a ela, seguido pelo anúncio do primeiro-ministro da França, Édouard Philippe, de uma competição para colocar uma nova flecha no lugar da antiga, uma hashtag imediatamente apareceu nas redes sociais francesas: #touchepasaNotreDame ("Não toque na Notre Dame").
Incrivelmente, a discussão reúne desde nomes da esquerda, como Raphaël Glucksmann, que lidera a campanha, como da direita - caso de Marine Le Pen e François-Xavier Bellamy. Ainda assim, as várias propostas por algo completamente diferente estão em jogo.
O arquiteto Alexandre Chassang, por exemplo, propôs uma torre de vidro e, em seu Twitter, afirmou que os franceses "não devem copiar o passado". Algumas companhias aéreas cogitaram criar pacotes de viagens promocionais para que mais pessoas conheçam a igreja antes da reforma. Nas redes sociais, há brincadeiras com as propostas inovadoras, com montagens de um terraço gourmet e de uma piscina gigantesca no teto da Notre Dame. Independentemente do que for decidido, os trabalhos sobre a igreja serão uma restauração de um patrimônio da Unesco, braço da ONU para a cultura, além de estar protegida por uma lei de 1913 que limita novas adições às estruturas históricas da França.
O neto do arquiteto original da flecha, Viollet-le-Duc, não assumiu um lado, mas observou que havia um "fascinante debate entre o velho e o novo" na época em que seu avô construiu a torre, e que "é uma tristeza que ele não esteja aqui para participar, porque estaria muito interessado".
No entanto, é também um debate que demonstra como a abordagem entusiasta de Macron incomoda tanto franceses: na arquitetura, assim como em política, Macron é obcecado por inovação. O presidente mais jovem da história da França não quer apenas reconstruir a catedral - ele quer melhorá-la. Na política, ele ganhou reputação ao estabelecer metas ousadas (como liberalizar áreas da economia) e não se preocupar com os detalhes, que pode acabar provocando meses de protestos -como aconteceu com os gilets jaunes (coletes amarelos). Para ele, a nova catedral seria a incorporação de sua França moderna.
Notre Dame de Paris
Os arquitetos da Notre-Dame começaram a trabalhar há 857 anos. Naquele século 12, os construtores fizeram uso de técnicas inovadoras para a época, como de um suporte externo que muitos anos depois seria a base da invenção do guindaste.
Desde então, a Notre-Dame se tornou o exemplar mais acabado da arquitetura gótica no mundo - e é assim até hoje. O estilo evoluiu do estilo romanesco por volta de 1.100 d.C e alcançou seu ápice na metade dos anos 1400. No século 19, quando Victor Hugo escreveu Notre-Dame de Paris - auge da Renascença-, os parisienses consideravam as construções medievais vulgares e monstruosas. Chamar um prédio de "gótico" era um insulto, uma referência a tribos góticas e vândalas germânicas consideradas "bárbaras" pelos franceses.
A catedral hoje é uma das imagens mais icônicas da capital francesa, atrás apenas - e talvez - da Torre Eiffel, no Campo de Marte. Cerca de 13 milhões de pessoas visitam sua estrutura a cada ano, e um sem número de cartões postais com fotos das duas torres e de suas janelas altas são enviadas para vários cantos do planeta.