Dramaturgo Alberto Santiago fala sobre espetáculo Medeia em Faces

Para o diretor, função da arte é provocar a reflexão e a conclusão da plateia


Começando no próximo sábado (10), dentro do PROAC Expresso, serão realizadas seis apresentações com transmissões online ao longo do mês de abril. Os atores e atrizes da Cia de Teatro Variante irão encenar a peça na Estação Ferroviária Central do Brasil, localizada na região central de Pindamonhangaba (SP) - o prédio é tombado como patrimônio histórico pelo Governo Federal e está em concessão formal ao IA3.ORG. Veja a programação AQUI.

Responsável pela dramaturgia em todas as temporadas de construção do espetáculo "Medeia em Faces", Alberto Marcondes Santiago, atualmente diretor de produção da peça, conta em detalhes as etapas que marcaram o desenvolvimento do projeto, desde a primeira montagem em 2012. Naquela oportunidade, que nascia do sonho do ator Mauro Morais, os primeiros contatos com os elementos trazidos da tragédia grega de Eurípides (431 a.C.) e, na sequência, o espetáculo sendo retomado em 2018 e agora em 2021, já pela CIA de Teatro Variante.

Confira o bate-papo completo entre a CIA de Teatro Variante e Alberto Marcondes Santiago:

Cia de Teatro Variante: Quais são os desafios de pegar a história de um mito (Medeia), de uma tragédia grega de 431 a.C., de Eurípides, e pensar a construção do espetáculo na contemporaneidade? Como acontece esse processo de construção do espetáculo?

Alberto Santiago: O próprio Eurípedes já nos dá, no texto, indicações sobre esse sentimento incômodo com a situação da mulher da época, por exemplo: "Que mulher poderia falar de sua condição feminina senão Medeia?" Quando ele evoca essa personagem e lhe dá um perfil muito contrário ao padrão grego, uma mulher estrangeira, feiticeira, ativa, passional, que eleva a sua paixão acima do universo doméstico, acima do que deveria justificar a sua existência, acima mesmo dos filhos, isso nos libera e facilita construir o espetáculo nos aproximando de um contexto feminista e contestador da mulher. Para consolidar esse pensamento nos aprofundamos da pesquisa e debate sobre vídeos e notícias atuais que nos remetiam à história de Medeia.

Cia de Teatro Variante: A mulher tem um papel central nessa história (suas angústias, sentimentos, reações etc.). Qual é a ligação e também as diferenças entre a Medeia de 431 a.C e Medeia de 2018, e como isso (a Medeia do passado e a atual) está traduzido na peça?

Alberto Santiago: Realmente, o protagonismo da mulher se evidencia, especialmente nas suas reações em decorrência dos seus sentimentos e angústias. São reações de um ser humano potente, de força especial, capaz de reações extremadas e consequências inconcebíveis. Para Medeia, o estatuto do homem grego falhou. Ela é uma bárbara e mulher, subordinada a esses estatutos e com a necessidade de invertê-los, que sempre soube que podia contar com os deuses e poder gozar plenamente de seu real direito. Quando ela diz no texto "sabem os deuses quem principiou o sofrimento", ela fala por qualquer mulher moderna. Portanto, a mulher nos dias de hoje ainda é sufocada pelas mesmas questões e opressões.

Cia de Teatro Variante: Como foi apresentar essa proposta de texto a um grupo de atores e atrizes tão jovens? Como você acompanhou o desenvolvimento de cada um deles junto ao texto e o que destacaria nesse processo evolutivo?

Alberto Santiago: Quando, em 2018, o Wesley [Peterson da Silva] me apresentou a ideia de montar "Medeia em Faces" no processo do ano, dentro do Projeto Atores Sociais, no bairro do Bom Sucesso, eu fiquei a princípio apreensivo, especialmente pelo fator maturidade dos jovens que participariam do programa. Depois que ele me apresentou a realidade da vida e o interesse desses jovens na montagem, eu quis conhecê-los mais de perto e participar junto deles. Para mim, que tinha construído esse projeto com um ator experiente, Mauro Morais, foi um aprendizado realmente significativo e uma ótima surpresa a participação desses jovens, de como se entregaram, verticalizando a pesquisa e a análise. Essa entrega os levou de forma natural ao processo de aprimoramento técnico e ao aperfeiçoamento humano que eles demonstraram.

Cia de Teatro Variante: Em termos de cenografia, figurino, iluminação e música, quais são as características que valem ser ressaltadas desses trabalhos e que podemos adiantar ao público?

Alberto Santiago: Todo o visual cenográfico e de indumentária são de natureza simples e rústica. A base principal do cenário é composta por um grande altar construído com caixotes de feira e imagens semidestruídas; o figurino confeccionado com base em tecido de algodão cru, ataduras médicas, com as saias, corpetes e o corpo manchados por tintura vermelha que simulam o sangue que evidencia a profunda ferida que é impingida à ela e provocada por ela. A sonoplastia é mesclada por música mecânica e intensos sons de natureza; a iluminação densa é ponteada por projeções, em sua maioria, de vídeos de criação e gravação própria.

Cia de Teatro Variante: A sinopse do espetáculo nos aponta para uma história marcada por uma tragédia, mas também por muita reflexão. Qual é a proposta do espetáculo no que diz respeito à relação com o público?

Alberto Santiago: Na nossa concepção, diferente de Eurípedes, assumimos uma forma não linear de contar a história. Começamos já com Medeia tendo realizado sua ação, porém não fixamos no tempo contando a partir daí. Não ficamos restritos ao tempo de forma direta em relação à contação de Eurípedes, mas com idas e vindas na descrição dos fatos com o objetivo de, além do exercício prático de transformar uma tragédia grega num drama contemporâneo, queremos também propor ao público que se coloque no lugar da outra pessoa e busque pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias. E é nesse processo reflexivo que o público deverá buscar suas próprias respostas e simpatias, descobrir sua identidade. Acreditamos que não é função da arte entregar as respostas pré-estabelecidas, mas a de provocar a reflexão e conclusão da plateia.

Cia de Teatro Variante: Um espetáculo produzido pela primeira vez em 2012, retomado em 2018, e que já passou por tantas apresentações e, inclusive, recebeu premiações. O que a nova temporada de "Medeia em Faces" traz de novidades ou de maturidade em termos de espetáculo em relação às fases anteriores?

Alberto Santiago: A concepção inicial do trabalho é resultado da pesquisa e experimentação das cenas junto com o ator-criador, Mauro Morais, conforme já dito, e o que queríamos não era falar da Medeia mitológica, mas sobre a banalização da violência na sociedade atual, das ações extremadas e crimes passionais, das reações e inquietudes próprias da alma humana e de refletir sobre a condição da mulher contemporânea dentro desse contexto para concluir que a Medeia de 431 a.C e Medeia de hoje são a mesma. Portanto, a transformação de uma tragédia grega num drama contemporâneo e o processo de refletir esse drama no contexto dos dias de hoje era o foco principal. Isso tudo, apropriado por esse jovem elenco, nessa remontagem com a Cia de Teatro Variante, foi mantido, porém dentro da interpretação pessoal desse novo grupo.