Já imaginou conhecer uma livraria em que as prateleiras são formadas apenas por livros escritos por mulheres? A gato sem rabo, aberta na última semana de maio, procura refletir sobre a participação das mulheres na literatura.
Sendo a primeira do seu segmento e idealizada Johanna Stein, ex-modelo formada em Artes Visuais, a livraria tem o seu nome retirado do texto "Um quarto todo seu", de Virgínia Woolf, uma autora que procurou questionar as hierarquias de gênero dentro da produção cultural.
A poeta Laura Redfern Navarro acredita que a literatura sempre parte de um lugar social e que é necessário colocar esse cenário em xeque. "Hoje em dia, ainda mantém-se a imagem de grandes autores enquanto homens brancos em posições privilegiadas. Nesse sentido, é importante permitir espaço para a literatura que foge a esse padrão, para que possamos refletir a partir de outros pontos de vista", diz a poeta.
Um estudo realizado pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, da UNB, mostrou que, de 1965 a 2014, a quantidade de livros escritos e publicados por homens no Brasil representava 70% de toda a produção literária. Por esse motivo, locais como a gato sem rabo se tornam tão importantes. "Apoiar a literatura feita por mulheres, sejam elas autoras, editoras ou livreiras, promove a autonomia literária e financeira do que é produzido por nós. Além de alimentar a elaboração de um pensamento crítico, é uma forma de desafiar a lógica instituída", comenta Laura.
Com mais de 1.700 títulos - de mais de 200 editoras e cerca de 650 escritoras) -, a gato sem rabo traz em seu acervo a possibilidade de conhecer obras variadas e que mulheres escrevem e são especialistas de diversos assuntos - desde teóricos, como da área de ciências contábeis e matemática, até literários, como poesia e contos.
Tanto para o público consumidor, como para as escritoras e autoras, a livraria possibilita a identificação e o diálogo com as obras do local. "É como se dissesse: sim, existem outras como você por aqui", relata Laura.
A gato sem rabo é um projeto independente que rompe com alguns padrões editoriais, pois o livro não é apenas um produto a ser comercializado. Um dos objetivos do local é proporcionar um lugar de trocas e de diálogos entre os seus visitantes.
"Eu quis conhecer a livraria por acreditar que o projeto estava dentro da minha ética como poeta, e acabei achando muito bonito a ideia de confrontar as hierarquias (editoras e de gênero) dentro da literatura se materializando para além do que é discutido entre nós, autoras e dentro das academias", conclui a poeta.
A gato sem rabo está localizada na Avenida Amaral Gurgel, número 338, em frente ao Minhocão, na região central da cidade de São Paulo.