Neurocientista explica como a ansiedade infantil pode impactar a vida das crianças

Lívia Ciacci é mestre em Neurociências e parceira do SUPERA - Ginástica para o Cérebro.


A ansiedade infantil é um assunto que vem tendo cada vez mais destaque. Segundo o Sistema único de Saúde (SUS), o número de casos entre crianças e adolescentes superou o de adultos, pela primeira vez, em dez anos. O site Agora Vale entrevistou a neurocientista, Lívia Ciacci, parceira do SUPERA - Ginástica para o Cérebro, para dar detalhes de como o transtorno pode impactar a vida das crianças, juntamente com formas de lidar com essa emoção.

Questionada sobre como a ansiedade infantil pode afetar o desenvolvimento neurológico e cognitivo das crianças, Lívia explica que o "estresse tóxico" pode ser um dos fatores responsáveis por deixar a arquitetura cerebral enfraquecida, o que pode gerar consequências para a vida toda.

"No 'estresse tóxico', o sistema de defesa do corpo é ativado de forma excessiva, fazendo com que a produção de adrenalina e de cortisol seja aumentada. Com isso, a arquitetura cerebral fica enfraquecida, como se estivéssemos treinando o cérebro para ser cada vez mais reativo e ansioso, com consequências para a vida toda. O excesso de telas e falta de brincadeiras usando a imaginação e o corpo, atrapalham o desenvolvimento da coordenação motora, da criatividade e do autocontrole, o que também leva a dificuldades posteriores na escola, por exemplo.", disse.

A neurocientista também explica sobre os principais fatores que podem ter contribuído para o aumento dos casos de ansiedade infantil nos últimos anos.

"Fatores de "estresse tóxico" na primeira infância, podendo ser: negligência às suas necessidades; abuso físico e emocional; pobreza extrema, exposição à violência doméstica, histórico de vício em drogas dentro da família e bullying. Nos fatores que envolvem a rotina da criança, temos a exposição às telas precocemente, substituição das brincadeiras imaginativas por telas, falta de autonomia para aprender a fazer tarefas sozinha, agenda muito cheia de atividades supervisionadas e falta de tempo livre, isolamento e pouca convivência com outras crianças, falta de rotina de sono e alimentação, alimentação exagerada em industrializados.  Essas situações podem gerar consequências graves para o desenvolvimento de uma criança a nível neurológico, já que é nesse período (de 0 a 6 anos) que são formadas as estruturas mentais e as sinapses, que são as conexões entre neurônios responsáveis por manter memórias e consolidar hábitos", explica.

Sobre quais estratégias têm se mostrado eficazes no tratamento infantil, Lívia comenta sobre a importância do cuidado precoce.

"Ao identificar esses sinais é importante que os pais ou responsáveis procurem pediatras ou psicólogos infantis para diagnosticar e, se for o caso, tratar a saúde mental dos filhos. Esse cuidado precoce pode evitar repercussões negativas na vida da criança. O tratamento costuma ser bastante eficaz, iniciando com psicoterapia, em especial a terapia cognitiva comportamental, e se necessário, com os medicamentos apropriados."

A participação dos pais ou responsáveis é crucial na prevenção e no manejo da ansiedade infantil. A rotina e os limites devem ser vistos como aliados, e não como adversários.

"O papel principal é a conscientização sobre a importância da socialização com outras crianças, do tempo livre para brincar sem telas, e da rotina. São os pais quem definem como será a rotina da casa, e precisam ser exemplos para as crianças. Impor uma rotina correta, com horários e limites não é ser rígido, as crianças precisam desses limites para se sentirem seguras, sabendo o que vão fazer em cada horário do dia. Muitas vezes a ansiedade surge apenas por falta de rotina, e será resolvida com ajustes familiares sem necessidade de medicamentos.", explica Lívia.

A neurocientista encerra falando sobre as perspectivas futuras para a pesquisa e o tratamento da ansiedade infantil.

"Pesquisas apontam que a ansiedade patológica está diretamente associada ao ambiente que o indivíduo está inserido, suas experiências de aprendizagem e fatores genéticos. Uma perspectiva futura é a ampliação da educação socioemocional nas escolas, também envolvendo as famílias e comunidades. A implementação dessa educação já é lei no Brasil, e as instituições de ensino estão em processo de adaptação e capacitação para executá-la de forma cada vez mais eficiente. O ideal é que desde cedo crianças e adolescentes possam falar abertamente sobre saúde mental nas escolas e em casa, para que cresçam sem o estigma recorrente entre os adultos e idosos de hoje."