Agrofloresta quer transformar a indústria têxtil no Brasil

O objetivo é estabelecer cadeias produtivas virtuosas e abastecer o mercado têxtil de matérias-primas genuinamente ecológicas, apoiando pequenos produtores e, portanto, gerando baixo impacto socioambiental.


O algodão é uma das matérias-primas base na indústria da moda. Em todo o mundo, ele ocupa uma área de cultivo que corresponde a 35 milhões de hectares, com uma produção de 25 milhões de toneladas. No cenário mundial, o Brasil é o quinto maior produtor e o segundo maior exportador da commodity que representou, na safra 2018/2019, 6% de toda a produção, gerando uma receita de US$ 2,6 bilhões, superando o ano anterior em quase US$ 1 bilhão. O mercado continua em expansão e a previsão é de um aquecimento de 43% nas exportações, atingindo 2 milhões de toneladas e um consumo doméstico de 720 mil toneladas para 2020.

Em relação ao cultivo do algodão convencional, o cultivo do algodão orgânico pode reduzir as emissões de GEE em 58% e esses números podem ser ainda maiores para sistemas agroflorestais. Além disso, o algodão agroflorestal pode ser um grande aliado da agricultura familiar e da soberania alimentar. "Um exemplo disso é o trabalho da PRETATERRA em parceria com a FARFARM, empresa brasileira especializada em projetos de supply chain regenerativos. Financiado por uma das maiores empresas têxteis do mercado, o projeto consistiu em um sistema agroflorestal focado na produção de algodão orgânico, apoiado por outras espécies secundárias de valor ecológico e econômico", comenta Valter Ziantoni, cofundador da PRETATERRA.

A missão da FARFARM é transformar a indústria têxtil no Brasil. Por meio da agrofloresta, ela envolve cadeias produtivas virtuosas para abastecer o mercado têxtil de matérias-primas genuinamente ecológicas, apoiando pequenos produtores, gerando baixo impacto socioambiental. A partir dessa premissa, a PRETATERRA iniciou um diagnóstico da propriedade parceira da FARFARM, localizada no município de Montes Claros (MG). "Partimos da análise criteriosa das condições edafoclimáticas locais para estabelecer um projeto adequado às oportunidades e realidades da região, tendo em mente a necessidade de fixar como foco uma única mercadoria: o algodão regenerativo", relata Ziantoni.

A PRETATERRA elaborou o projeto agroflorestal da propriedade, criando um sistema integrado com linhas florestais, além de um guia detalhado para o plantio e o manejo das espécies escolhidas. "Desenhamos um sistema biodiverso, com 16 espécies selecionadas entre frutíferas (coco, mamão, abacaxi), plantas de adubação verde (feijão guandu), espécies madeireiras (angico e aroeira verdadeira) e, claro, o algodão, espécie-chave do design. Nesse caso, planejamos uma produtividade de 150-160 kg de pluma/ha, uma projeção numérica usada como critério e base para o estabelecimento do restante do sistema", nos conta Paula Costa, cofundadora da PRETATERRA.

Seguindo a essência de todos os projetos PRETATERRA, trata-se de um design modular e totalmente replicável, podendo ser adaptado pelas famílias dos agricultores parceiros da FARFARM, que vivem em propriedades da região. O objetivo é congregar fatores ecológicos e econômicos, diversidade e sistematização operacional. Todas as premissas utilizadas criam um sistema inteligente e diverso que melhora a qualidade intrínseca do solo e das plantas, associa resiliência ambiental e produtiva, com oportunidade de mercado e satisfação de consumidores conscientes.

"A FARFARM e a PRETATERRA têm exercido essa parceria com foco em projetos relacionados ao plantio de fibras têxteis (principalmente o algodão) em sistemas agroflorestais a fim de valorizar a floresta em pé, promover o desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar, das comunidades tradicionais e impactar positivamente a indústria têxtil. Nossos próximos desafios consistem no desenvolvimento da cadeia do algodão regenerativo no estado do Mato Grosso e na capacitação da cadeia de produtos alimentícios de origem agroflorestal" nos conta Pedro Saldanha, cofundador da FARFARM.

O projeto agroflorestal de algodão orgânico concebido com a FARFARM possui enorme potencial em contribuir com a construção de uma lógica de economia regenerativa em torno da indústria têxtil que alimenta a indústria da moda. "Com uma mudança sistêmica e estrutural, a indústria da moda pode tirar milhões de pessoas da pobreza ao criar meios de vida decentes e dignos. Pode conservar e restaurar o meio ambiente. Pode inspirar e ser uma grande fonte de alegria, criatividade e expressão para indivíduos e comunidades. Nosso trabalho visa contribuir com os esforços globais de sustentabilidade na indústria da moda em direção à regeneração do meio ambiente e à valorização das pessoas acima do crescimento e do lucro a qualquer custo" conclui Paula.

A solução para a sustentabilidade da agricultura brasileira vem de lições dadas pela própria natureza. "Para que esse salto de produção da fibra nacional tenha sustentabilidade social, econômica e ambiental, ele precisa estar aliado ao aumento da biodiversidade do sistema de cultivo. Isso é fato e já vem sendo feito com a rotação de culturas e introdução de outras espécies na lavoura algodoeira tradicional. Mas temos que ir muito além e a produção de algodão em sistemas agroflorestais é o próximo passo lógico na busca por uma indústria têxtil de fato regenerativa, capaz de apoiar a reversão da crise climática, que se torna cada vez mais evidente", finaliza Ziantoni.

O algodão, as mudanças climáticas e os agrotóxicos

 Além da exploração humana, nossas roupas podem estar contribuindo para a crise climática: a indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, responsável por 4% das emissões totais de gases de efeito estufa (GEEs) - algo em torno de 2 bilhões de toneladas. Também é a segunda maior consumidora de água - 1,5 trilhão de litros por ano.

O clima tropical brasileiro permite o cultivo do algodão ao longo de todo ano, mas traz desafios como o ataque de pragas, doenças e plantas daninhas com uma severidade maior do que observado em climas temperados. Com o aumento das pragas, aumenta a aplicação de defensivos e, consequentemente, o surgimento de mecanismos de resistência, tornando-os obsoletos rapidamente. Uma vez ativado, esse ciclo vicioso obriga o agricultor a investir uma parte cada vez maior do seu lucro na compra de defensivos e fertilizantes, um processo insustentável a longo prazo. Mundialmente, o algodão é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos, cerca de 25% do total produzido. No Brasil, de todo agrotóxico consumido, 10% é aplicado nos sistemas de cultivo tradicional do algodão.