Recentemente, o escândalo das fraudes contra aposentados do INSS causou indignação nacional. A denúncia de descontos indevidos e cobranças abusivas contra quem mal sobrevive com um salário mínimo expôs a vulnerabilidade de milhões de brasileiros diante de um sistema que deveria protegê-los. Mas esse não é o único ataque aos direitos de quem passou a vida contribuindo com a Previdência. Há mais.
A exclusão dos valores de contribuição anteriores a 1994 no cálculo das aposentadorias tem provocado revolta entre os segurados. Embora parte da imprensa ainda trate os aposentados como meros "velhinhos", o impacto dessa regra vai muito além do estereótipo: é uma questão de justiça social e de sobrevivência para quem já vive no limite.
A chamada Revisão da Vida Toda surgiu exatamente para corrigir essa distorção. O argumento é simples e razoável: se o trabalhador contribuiu ao longo de toda a vida, por que ignorar décadas inteiras de recolhimento apenas porque ocorreram antes de 1994? Para ilustrar a situação, imagine alguém que deposita mensalmente uma quantia em uma caderneta de poupança por 20 anos e, ao tentar sacar o valor, é informado de que só poderá retirar uma porcentagem do total. Isso não é confisco? Não é apropriação indébita? É dessa forma que milhares de beneficiários vêm sendo tratados pelo INSS, cuja insistência em desconsiderar contribuições que majoram os benefícios dos segurados é claramente injusta.
Cerca de 100 mil aposentados recorreram ao Judiciário e venceram: primeiro, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e depois no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em dezembro de 2022, confirmou o direito à revisão por 6 votos a 5.
Contudo, a decisão foi posteriormente anulada. Amparado em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de 1999, que nem tratavam diretamente do tema, o STF voltou atrás e derrubou o mérito da causa. O motivo alegado? O suposto impacto orçamentário: segundo projeções do governo, diretamente interessado no tema, o pagamento da revisão custaria R$ 480 bilhões aos cofres públicos. Como esses cálculos foram elaborados, ninguém sabe.
Embora o impacto financeiro não devesse ter o poder de subtrair direitos e manter injustiças, ainda assim, cabe uma reflexão. Essa estimativa não resiste a uma análise simples. Se dividirmos os R$ 480 bilhões entre os 100 mil aposentados que teriam direito à revisão, o valor individual chegaria a absurdos R$ 4,8 milhões por pessoa, algo evidentemente irreal.
Economistas buscaram dados junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e apontaram que o custo real da medida seria de cerca de R$ 10 bilhões, valor expressivo, mas incomparavelmente inferior ao divulgado, e perfeitamente viável dentro do orçamento da Previdência Social.
Diante desses dados, o argumento do "rombo bilionário" se desmancha. O que resta é a evidência de uma decisão que sacrifica os direitos de quem mais precisa, sustentada por uma conta que simplesmente não fecha. E, mais uma vez, os aposentados "tratados sempre com descaso" pagam a conta de uma política pública que insiste em ignorar a dignidade de seus próprios beneficiários.
Por: Fernando Castilho - Arquiteto, professor e escritor, autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.