Indústria automotiva nacional sofre com falta de semicondutores e harmonia política

Os carros dependem desses "chips" para executarem as mais diversas funções


O mercado automotivo vive um momento particularmente paradoxal. A demanda está aquecida, mas as fábricas só têm como atendê-la parcialmente. O problema maior, e que vai perdurar certamente até todo primeiro semestre do próximo ano, é a falta crônica de semicondutores. Cada vez mais tecnológicos, os carros dependem desses "chips" para executarem as mais diversas funções desde simplesmente ligar até permitir acesso às uma infinidade de funcionalidades vitais.

Estima-se que, até o final deste ano, em todo o mundo, perto de nove milhões de automóveis deixarão de ser produzidos por conta da carência desse componente. A Anfavea projeta que, no Brasil, perto de 240 mil unidades deixarão de ser produzidas em 2021. O problema fica ainda mais grave porque, pela lei da oferta e da procura, semicondutores estão com preços exageradamente inflacionados e a pressão nos custos dos automóveis vem prejudicando toda cadeia automotiva.

Diante dessas "travas", produção e licenciamento de veículos não conseguem crescer. Os resultados de vendas e produção de agosto deste mês foram praticamente semelhantes ao mês passado e, possivelmente, não serão diferentes nos próximos meses até o final do ano. Tudo indica que o mercado, mesmo com pressão do consumo, vai ficar nesta média mensal de 170 mil unidades licenciadas com 165 mil unidades produzidas. Com isso os estoques de veículos estão se exaurindo. A média que era de 40 dias de estoque antes da pandemia, agora tem apenas 13 dias de abastecimento, o que representa o menor número histórico.

O ano que poderia ser de franca recuperação para o setor, ainda que certamente melhor do que o ano passado, quando houve paralisações em diversas montadoras, esbarra em problemas estruturais e, aqui no Brasil, ainda nos deparamos com o agravante, mais uma vez, da instabilidade no ambiente político. A indústria nacional está apreensiva com a falta de foco na solução de problemas reais como as reformas administrativas e fiscais em função da polarização ideológica e o clima social, gravemente precoce, onde já se reverbera discussões sobre eleições presidenciais que só acontecerão no final do próximo ano.

Neste ambiente nocivo, com os poderes executivo, judiciário e legislativo em recorrentes conflitos ideológicos, pautas econômicas importantes ficam à deriva e isso eleva o câmbio a patamares irreais (não há nenhuma justificativa sensata para o dólar estar cotado a mais do que 5 reais) contribuindo ainda mais para elevar o famigerado "Custo Brasil". O resultado, infelizmente, é o adiamento de investimentos e, muitas vezes, o redirecionamento desses valores para países com maior estabilidade social e política.

Soma-se a isso a inflação, por meses negligenciada e agora mostrando suas garras, que bate em quase 10% no acumulado deste ano, forçando a alta nos juros e tornando o financiamento de automóveis mais caro. Os executivos da indústria automotiva estão diante de grandes desafios, mas ao menos desta vez, diferente da crise econômica que abateu o País entre 2015 e 2017, a demanda não mostra nenhum sinal de arrefecimento e a maior prova para o otimismo é que o mercado de caminhões vem batendo recordes de produção e vendas, principalmente em função das demandas do agronegócio, mineração e distribuição urbana, o que significa que estes mercados têm fôlego para assegurar um crescimento sustentável, ao menos, pelos próximos dois anos.

*Marcos Gonzalez é o diretor responsável pelo segmento automotivo da Becomex. Formado em Engenharia, com pós-graduação em Administração e MBA em Gestão Fiscal e Tributária, o executivo acumula mais de 35 anos de experiência profissional em empresas do setor automotivo. Gonzalez tem sólida carreira desenvolvida em empresas multinacionais com forte experiência na prospecção e desenvolvimento de novos negócios e habilidade multicultural adquirida no desenvolvimento de atividades comerciais junto a clientes no exterior.