De Pindamonhangaba para o Flamengo, a história de uma menina de garra

Ela é 3º Sargento da Marinha do Brasil, mora no Rio de Janeiro e disputa o campeonatos de futebol feminino Carioca e Brasileiro pelo CR Flamengo


Patrícia Derrico, com as cores do rubro-negro da GáveaPatrícia Derrico, com as cores do rubro-negro da Gávea (Foto : Acervo Pessoal)

A luta das mulheres brasileiras pelo reconhecimento de seus direitos civis e políticos às vezes revela personalidades além do seu tempo e acima da média. Nesse contexto, mulheres em busca de espaço e da valorização de seu talento estão em todos os setores, inclusive no futebol, vencendo seus adversários mais ferrenhos, que são as barreiras sociais.

O campo ainda era a rua com as traves feitas de chinelos, e dentro da "cancha" quase todos eram meninos. Esse era o cenário da barulhenta e estreita Rua Capitão Vicente Vizaco, no bairro Campo Alegre, em Pindamonhangaba, onde uma garota loira e franzina era nome certo na escolha entre os times para a pelada do bairro.

Campeã pela seleção universitária brasileira Campeã pela seleção universitária brasileira (Foto : Acervo Pessoal)Hoje ela tem a patente de 3º Sargento da Marinha do Brasil, mora no Rio de Janeiro e disputa os campeonatos de futebol feminino Carioca e Brasileiro pelo CR Flamengo, além de campeonatos mundiais pela seleção brasileira militar e seleção universitária.

Patrícia Derrico é mais uma das muitas meninas que fazem acontecer. Neste mês de março, a taurina nascida em 4 de maio se recupera de uma lesão e está quase pronta para a volta aos gramados.

Entrevista:

Como foi que você passou a gostar de futebol e quem a incentivou?
Patrícia Derrico
- Comecei a jogar futebol na rua como a maioria. Sempre fui apegada à minha família e aos meus irmãos. Eu sou a caçula e minha mãe queria que meu irmão mais velho Rodrigo tomasse conta de mim. Mas eu o acompanhava na rua e fui desenvolvendo aquele gosto, aquela paixão pelo futebol.

Como é que era saber que seu nome era escalação certa para participar das peladas de rua?
Patrícia Derrico
- Verdade! A gente tinha a nossa "panelinha", como é normal nas brincadeiras de futebol de criança. Então, a nossa equipe era difícil de ser batida, era eu e mais três dos bons.

Você se lembra da primeira equipe da quela fez parte em um campeonato?
Patrícia Derrico
- Entrei para a seleção sub20 quando tinha 11 anos (risos) e mesmo assim já conseguia desequilibrar e fazer jogadas. Só ainda não tocava a bola porque ainda não tinha muito conhecimento tático.

Fora da sua cidade, como começou a se destacar?
Patrícia Derrico
- Eu fui me desenvolvendo e ainda na categoria Sub15 fui fazer parte da equipe do Grêmio União, de Pindamonhangaba. Nós fomos vice-campeãs paulista e foi muito legal porque foi o primeiro ano de projeto no feminino. Com 15 anos também integrava a equipe Sub20 e conseguia me destacar.

Você foi chamada também pra jogar pela SE Palmeiras, correto?
Patrícia Derrico
- A equipe de futsal adulta do Palmeiras me chamou para participar do projeto deles e eu fui pra São Paulo, onde fiquei por certo período. Só que, nesse momento eu sonhava em jogar futebol de campo porque me espelhava na Marta. Daí eu fiz um teste no Santos e passei, mas mudou a diretoria e acabei não ficando. Política deles.

Você também representou a cidade em Jogos Abertos e Regionais pela equipe de futsal feminino. Conta com foi!
Patrícia Derrico
- A equipe de São Jose dos Campos era sempre a favorita e a nossa equipe era a grande rival deles. A primeira vez que fomos campeãs em cima delas, eu estava no time de Pinda e era titular. Foi incrível porque Jogos Regionais e Abertos envolve grande torcida.

Lembra qual foi a competição? Foi nos Jogos Regionais?
Patrícia Derrico
- Foi nos Jogos Regionais de Taubaté, em 2011, uma grande emoção poder dar alegria para a minha cidade. No ano seguinte, eu já tinha me transferido para o futebol de campo e jogava fora.

O que levou você para o Rio de Janeiro foi o futebol de campo ou foi a Marinha?
Patrícia Derrico
- Quando eu estava no Palmeiras, recebi um convite do Flamengo para ir para o futebol de campo deles. Chegando lá, não era o Flamengo e eu fui para o Bangu, mas foi uma temporada curta.  

Então, a Marinha veio depois?
Patrícia Derrico
- Exato! Do Bangu, eu fui para Pernambuco, onde passei a representar uma universidade. Nesse período, fomos disputar um campeonato universitário em Brasília e foi quando fiquei sabendo do time da Marinha onde havia boa remuneração, estrutura, algo seguro e eu me interessei.

E como foi o caminho pra chegar lá, de volta ao Rio de Janeiro?
Patrícia Derrico
- Na Marinha, nessa época era tudo por currículo e eu me escrevi. Como já tinha passado pela seleção, estava com uma pontuação bem alta, mas não esperava ser chamada tão rapidamente como aconteceu.

Aí você se alistou e teve que cumprir vários processos, incluindo cursos?
Patrícia Derrico
- Isso mesmo! Foram três meses de curso preparatório para militar. Uma menina de São Jose dos Campos, com quem eu já havia jogado, disse que meu nome estava entre as primeiras. Fui chamada e fui morar no Rio, na casa dessa mesma menina.

Comente um pouco sobre suas atividades militares, tudo aquilo que faz o seu cotidiano na Marinha!
Patrícia Derrico
- Na Marinha eu tenho a atividade de dia a dia, a disciplina, mas em grande parte do dia a gente só treina. No nosso caso, tudo é voltado para o futebol. A não ser quando têm passagem de comando, daí nós colocamos a farda e nos apresentamos

Como foi sua adaptação no Rio? Voltando de Pernambuco você foi direto para o Flamengo?
Patrícia Derrico
- No começo fui para o Botafogo, mas foi um pouco difícil, pois o Rio não tem o mesmo nível profissional que São Paulo tem no futebol feminino. Demorou um ano pra eu me adaptar.

Quais são os principais rivais para o Flamengo no campeonato Carioca e no Brasileiro?
Patrícia Derrico
- No Rio são o Fluminense e Botafogo e em São Paulo, onde o campeonato é mais competitivo, temos como adversários principais o Santos, Corinthians e Ferroviária (Araraquara) que é o atual campeão brasileiro.

Como foi participar da seleção brasileira militar e ser campeã pela seleção brasileira universitária?
Patrícia Derrico
- Foi uma experiência fantástica! Em 2015 fomos campeãs pela seleção brasileira militar na Coreia. No ano seguinte, campeã brasileira com o Flamengo e vice-mundial na França. Em 2017, na China, nossa equipe foi campeã mundial universitária, algo que o Brasil não conquistava desde 2015. E em 2018 fomos campeã mundial militar nos Estados Unidos.

Vocês treinam em qual campo? Já conheceu algum ídolo do rubro-negro?
Patrícia Derrico
- A gente treina no CT da Marinha, que tem excelentes campos. Lá também treina a equipe base do Flamengo. Tive um contato legal com o Zico, recentemente. Ele foi ao CT como representante do Flamengo e eu fui escolhida para entregar a ele uma camisa por conta da parceria do clube com a Marinha. Até pedi a ele pra me passar aquela mágica que ele usava nas cobranças de falta (risos).

Você vê hoje a mídia apoiando mais o futebol feminino. Isso é por conta do crescimento do interesse por esse esporte?
Patrícia Derrico
- Está muito melhor, inclusive a questão de salários. Hoje tem grandes times como Internacional, Grêmio e Cruzeiro investindo forte. A seleção brasileira agora tem seus jogos transmitidos na Globo e têm transmissões pela Band todos os domingos às 14h. Isso é uma maior visibilidade.

Você ainda é jovem e pode ir mais longe. Quais seus projetos para o futuro?
Patrícia Derrico
- Ainda sonho em chegar à seleção brasileira principal e poder representar o país em algum campeonato. E também tenho muita vontade de jogar fora o país, em alguma temporada. Mas, neste momento, quero ganhar muitos títulos pelo Fla.

Março é o mês da Mulher. Deixe uma mensagem para elas, principalmente aquelas que ainda acalentam uma realização.
Patrícia Derrico
- É preciso ter autoestima para que nada possa tirar o brilho dos olhos de uma mulher. O mais importante pra uma mulher é não ter medo, encarar, porque ao meu ver, nós somos muito mais fortes do que pensamos.