Artigo: Observações sobre normas editadas na pandemia da COVID-19

Como negociar.


Em meio a um turbilhão de dúvidas, em meio a um misto de medo, coragem e imprudência, em razão da pandemia da COVID-19 nossas vidas, mais do que nunca, estão sendo afetadas pelas decisões daqueles que elegemos para decidir sobre os aspectos mais importantes da nossa sociedade. Assim, os integrantes do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário estão trabalhando para normatizar, interpretar, fiscalizar e julgar nossos atos.

No aspecto da legislação trabalhista, novas medidas foram tomadas pelo governo para que, ao meu ver, ajudem tanto os trabalhadores quanto aos empregadores a enfrentarem e atravessarem essa pandemia com o menor sofrimento possível. Aos trabalhadores foram destinadas as Medidas Provisórias 927/2020 (editada em 22/03/2020 às 23h50min) e 936/2020 (que disciplinou as reduções de salário e trabalho com subsídio parcial do Governo, além da suspensão do contrato de trabalho/"lay off");

Importante saber que estas MPs não são nem serão as únicas normas que serão observadas, no futuro, caso surjam divergências entre empregados e empregadores que sejam levadas ao Poder Judiciário. Não nos esqueçamos que há um grande número de leis e princípios do direito que, muito provavelmente, serão levados em conta para aplicar a justiça aos casos concretos de litígio.

Apenas a título de esclarecimento, ainda antes de falarmos mais especificamente das MPs, lembremos que a Justiça do Trabalho está alicerçada em dois princípios que deverão ser observados por todos os operadores do direito (advogados, representantes sindicais, entidades de classe, contadores, juízes, procuradores do trabalho, fiscais, etc.), a saber, o princípio tutelar que, em apertada síntese estabelece que nas relações trabalhistas a intenção da lei é a proteção do trabalhador, que no caso de divergência entre duas ou mais normas, deve-se escolher aquela que dá maior proteção ao trabalhador, que no caso de diversas possibilidades de interpretação de uma norma, deve-se escolher aquela interpretação que é mais favorável ao empregado.

De outra banda, também devemos saber que a CLT tem previsões de contrapesos à toda estrutura protetiva do trabalhador (que é a estrutura principal) como por exemplo os casos de força maior e o "factum principis" (arts. 501 e 486) que asseguram direitos ao empregador em situações especiais. Com isso em mente, vejamos alguns detalhes das mencionadas MPs.

A MP 927, ressalvadas as normas constitucionais, valida as negociações individuais entre empregados e empregadores, reconhece que o estado de calamidade pública derivado da PANDEMIA configura força maior nos termos previstos no art. 501 da CLT;  possibilita o teletrabalho/home office (inclusive para estagiários e aprendizes) e as férias individuais e coletivas podem ser pactuados e concedidos com aviso prévio de 48h, inclusive por meio eletrônico, autoriza o banco de horas por acordo individual com compensação em até 18 meses, legaliza o diferimento do FGTS para pagamento dos meses de março, abril e maio em até 6 meses a contar de julho, prevê regras próprias para os trabalhadores do sistema de saúde, diz que os auditores do trabalho deverão atuar na forma de orientar (não simplesmente punir) as empresas, valida a suspensão da obrigação da realização dos exames médicos (exceto o demissional) e afasta a possibilidade de reconhecimento da infecção pela COVID-19 como doença de cunho ocupacional se não houver prova do nexo causal, autoriza o adiamento de renovação das CIPA´s, a prorrogação da validade das Convenções ou Acordos Coletivos por mais 3 meses, a antecipação do abono previdenciário, a convalidação dos atos do empregador que foram tomados antes da edição da MP desde que não sejam violadores da CF/88 nem da própria MP, institui a possibilidade da implementação do "lay off" (suspensão do contrato de trabalho) foi revogada 24horas após a edição desta MP 927. A previsão da redução salarial sem redução da jornada restou inócua, senão pela própria CF/88 (que traz exigência de negociação coletiva), pela MP 936 editada poucos dias depois que voltou a regular o assunto.

A MP 936/2020 estabeleceu a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por 2 meses ou o acordo individual para a redução de jornada e dos salários em até 70%, onde o Governo Federal irá subsidiar um percentual da redução com base no valor do seguro desemprego. Há distinções baseadas nas faixas salariais dos empregados e não por categoria profissional. O empregado que concordar com a suspensão ou redução (salários e jornada) terá uma garantia de emprego pelo mesmo tempo que durar a suspensão ou redução dos salários e jornada. Os trabalhadores que já estão recebendo o seguro desemprego não fazem jus à medida. Também não estão incluídos os trabalhadores do setor público ou de subsidiárias de empresas públicas. As empresas que faturaram mais do que 4,8 milhões ao ano, poderão suspender até 70% da força de trabalho, mas mantendo o pagamento de 1/3 do salário para os trabalhadores que estejam com o contrato em suspensão. Este valor não tem a natureza jurídica de salário, mas sim, complementação, não incidindo sobre ele os encargos trabalhistas. Em caso de futura demissão o empregado que aderir à suspensão ou redução da jornada não terá prejuízo no recebimento do futuro seguro desemprego se preencher as regras para tanto.

A redução da jornada e salário foi fixada por grupos e o primeiro (principal alvo do programa) abrange empregados formais que recebem até 3 salários mínimos (R$ 3.117,00). Para estes trabalhadores estão autorizadas as reduções de 25%, 50% e 70% por até três meses (mantido o salário hora). Neste caso o Governo pagará uma proporção do seguro desemprego correspondente ao percentual da redução. O valor do seguro desemprego varia entre R$ 1.044,00 a R$ 1.813,03. O segundo grupo do programa de proteção ao emprego deve ter renda mensal entre R$ 3.177,00 e R$ 12.202,00. Para este grupo de trabalhadores o acordo individual fica limitado à redução de 25%, para as demais reduções (50% e 70%) será necessária a negociação coletiva. Já para quem ganha acima de R$ 12.202,00 também é possível o acesso ao programa, por acordo individual, desde que ele tenha diploma de ensino superior.

Por fim, tomando a liberdade de desviar do assunto principal desta coluna, gostaria de desejar a todos os leitores que tenham paciência e fé que esta pandemia passe no menor espaço de tempo possível, que mantenham sua imunidade "geral" em alta, quero dizer, imunidade física, mental e espiritual. Que neste momento de tensão não tomem decisões impensadas e levadas pela emoção negativa de muitos que nos cercam, que não criem (nem mesmo em pensamentos) conflitos de nenhuma espécie e que busquem incessantemente o diálogo. Do filósofo SUN TZU, sugiro que reflitamos sobre esta frase: "No meio do caos há sempre uma oportunidade".

PAULO HENRIQUE LEITE GÖPFERT PINTO, OAB/SP 146.798, proprietário de Paulo Leite Sociedade de Advogados, consultor da ACIP, Sindicato Rural de Pindamonhangaba, Viobras, B&S Solutions, Satelradio entre outros.