É muito comum que aqueles que se dedicam à área ambiental rapidamente se acostumem com o uso recorrente de um grande número de siglas durante as mais variadas
discussões das quais participam. Em um primeiro momento, apenas para exemplificar, é possível pensar em siglas como TAC, SNUC, RPPN, EIA/RIMA, EIV/RIV. Essas siglas são muito utilizadas em debates, reuniões, eventos científicos, palestras, audiências públicas etc.
Em especial, a sigla APP foi bastante repetida durante a audiência pública realizada em Pindamonhangaba-SP, em 19/8/2025, visto que é o tema central do Projeto de Lei Ordinária N.º 251/2025 (na linha da questionável Deliberação Normativa CONSEMA nº 01/2025), especificamente as APPs de cursos hídricos em áreas urbanas consolidadas.
Entre discordâncias democráticas envolvendo aqueles que defendem a revisão da metragem dessas APPs e aqueles que são contrários a esse PL, eu poderia citar diversos argumentos técnicos para criticar a proposta e a própria redação do texto.
Provavelmente, eu utilizaria a dissonância com os ODS, em especial o ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), a Lei Nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o estudo do antigo IG (2012) e parte do atual IPA, mas também o PMMAC (2025), PMGIRS (2021) e a jurisprudência do STJ (2025). Destacaria inclusive a perda de pontos no ranking do PMVA e os diversos benefícios proporcionados pelas APPs à qualidade de vida da população e ao meio ambiente.
E eu salientaria ainda as recentes decisões sobre as questões climáticas tomadas pela CIDH (2025) e pela CIJ (2025), dois órgãos de referência internacional, além do PLAC de Pindamonhangaba (2025).
Contudo, o que me chamou mais a atenção durante a audiência pública foram os argumentos de que as APPs causam transtornos, como o acúmulo inadequado de resíduos e são utilizadas para o uso de entorpecentes ilícitos. Conforme um dos cidadãos que se manifestou de forma muito pertinente durante a audiência, eu também me perguntei sobre o sentido desse tipo de "justificativa" para a aprovação do impopular PL.
Isso não significaria o reconhecimento da incapacidade do poder público e da comunidade como um todo de educar a população e melhorar os serviços? Ao invés de disponibilizar mais equipamentos para a disposição de resíduos e melhorar o serviço de coleta, incentivar a educação ambiental, horticultura, permacultura, agroflorestas urbanas e os parques lineares, a prefeitura optará pela resposta mais simples e prejudicial? Reduzir as APPs para míseros 5 metros?
Naturalmente, ainda que possam passar despercebidas, justificativas simplistas e desfocadas levam a discussão para longe do que realmente importa e tendem a exaltar os ânimos. Basta uma rápida pesquisa na Internet para verificar que a apreensão, uso e tráfico de entorpecentes ilícitos ocorrem muito longe das APPs de cursos hídricos de áreas urbanas consolidadas.
E nem por isso espera-se que nossos representantes políticos eleitos proponham PLs para diminuir o tamanho dos muros dos condomínios de luxo ou que sejam retiradas as portas dos banheiros de bares e danceterias, não é mesmo?Conforme estudo da FGV (2007)2, intitulado O Estado da Juventude: drogas, prisões e acidentes, "(...) os maiores consumidores de drogas ilícitas no país são homens brancos, de classe alta e com cartão de crédito". Por sua vez, em 2021, a ONU divulgou relatório no qual consta o seguinte: "Os mercados de drogas na chamada 'dark web' surgiram há apenas uma década, mas já valem pelo menos US$315 milhões em vendas anuais".
Nesse caso, não seria mais coerente e de maior interesse público propor PLs para reprimir e reduzir o "espaço virtual" destinado ao comércio de entorpecentes ao invés de atacar o espaço real das APPs hídricas em áreas urbanas consolidadas? E ainda considerando levantamentos produzidos pela ONU, o Relatório Mundial sobre Drogas (2024) destaca que "(...) as atividades ilícitas associadas à produção e distribuição de drogas contribuem para a degradação ambiental, promovendo o desmatamento, o descarte indevido de resíduos tóxicos e a contaminação química".
Ou seja, até mesmo do ponto de vista da preocupação ambiental, o alegado consumo final de entorpecentes ilícitos em APPs é desconsiderável em relação aos graves impactos ambientais causados pela produção e distribuição de entorpecentes ilícitos. Infelizmente, o Brasil e o Vale do Paraíba têm sido acometidos por diversos ataques
ao meio ambiente, de modo que catástrofes ambientais, como alagamentos e enchentes, estão cada vez mais intensas e frequentes.
Por isso, abordar problemas socioambientais complexos exige muita responsabilidade de todos nós. Culpar as APPs não resolverá.