23 anos depois, EUA endurecem embargo econômico a Cuba

A China, o Brasil e a Venezuela são outros países que já ocuparam papéis importantes na economia cubana.


Durante mais de duas décadas, as relações entre Cuba e Estados Unidos foram pautadas por uma das leis que formam parte do embargo econômico imposto pelos estadunidenses à ilha caribenha: a Helms-Burton Law. No entanto, desde o dia 2 deste mês, a medida foi endurecida com a entrada em vigor de novas disposições que, por endurecerem ainda mais as restrições, geraram polêmicas em prestigiadas faculdades de direito, governos, associações da sociedade civil e instituições internacionais.

Na última semana de abril, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse que o governo do presidente Donald Trump tinha decidido permitir a aplicação do polêmico Título III da lei Helms-Burton a partir de maio. "Isso significa uma oportunidade de justiça para os cubano-americanos que durante muito tempo buscaram ajuda nos EUA depois que Fidel Castro e seus lacaios confiscaram suas propriedades sem compensações", disse.

"Pela primeira vez, será possível processar pessoas que traficam bens confiscados pelo regime cubano. Qualquer pessoa ou empresa que tenha negócios em Cuba deve prestar atenção nesse nosso anúncio", completou.

Além de Pompeo, o assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, anunciou que Trump decidiu limitar o envio de remessas dos Estados Unidos à ilha em US$ 1 mil por trimestre, assim como às viagens "por razões não-familiares" e transações financeiras diretas com empresas que controlam o Exército e os serviços de segurança cubanos, como a companhia aérea Aerogaviota, serão restritas

Em 2009, o então presidente Barack Obama decidiu deixar de limitar o volume de remessas de cubanos ao país, no que acabou sendo um volume de US$ 3 bilhões em 2016.  Ele também tinha estabelecido 12 categorias de viagens de estadunidenses para Cuba, o que fez com que o número de viajantes do país em direção à pequena nação caribenha alcançasse 60 mil pessoas em 2018.

O chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, reagiu às medidas por meio do Twitter, afirmando que elas são "um ataque ao direito internacional e à soberania de Cuba e de Estados terceiros. A escalada agressiva dos EUA contra Cuba fracassará", escreveu ele. O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, reagiu também por meio da plataforma, afirmando que seu país não "mudará a atitude frente aos que possuem uma espada contra nós", e agregou: "Em Cuba mandamos os cubanos".  

A União Europeia também expressou "forte oposição" à posição dos EUA, afirmando, assim como Rodríguez, que a "aplicação extraterritorial de medidas restritivas unilaterais contrariam o direito internacional". As reações também são resultado de uma lei que foi mantida em suspenso por todos os presidentes estadunidenses -- tanto democratas quanto republicanos -- desde 1996.

A chamada Ley de la Libertad Cubana y Solidaridad Democrática foi apelidada popularmente de Helms-Burton Law por causa dos dois congressistas republicanos -- Jesse Helms e Dan Burton -- que a escreveram e conseguiram aprová-la, em março de 1996 -- poucas semanas depois que aviões das forças aéreas cubanas derrubaram dois aviões pequenos da ONG Hermanos al Rescate, com sede em Miami. A organização se dedicava a voar até o Estreito da Flórida, nos EUA, para ajudar possíveis coiotes cubanos que levavam pessoas da ilha até o país.

A lei Helms-Burton reforçou o embargo dos EUA ao governo cubano por meio da extensão da aplicação internacional para além das fronteiras dos Estados Unidos. Quando promulgada, ela tinha três objetivos: o fortalecimento do embargo contra o governo cubano, o apoio a uma "transição democrática" na ilha e a proteção dos direitos de propriedade dos cidadãos estadunidenses instalados no país caribenho.

Para tais fins, a norma estabelecia uma série de regras, algumas duras, como a oposição oficial dos EUA à integração de Cuba em instituições financeiras internacionais, a proibição de importação de certos bens produzidos pelos cubanos por qualquer pessoa ou empresa dos Estados Unidos, a permissão que tribunais estadunidenses julgassem demandas por propriedades confiscadas na ilha durante a Revolução de 1959 e a necessidade de autorização do governo para enviar remessas ou viajar a Cuba.

As duas últimas medidas, porém, pertencem ao chamado Título III, que jamais foi aplicado desde 1996. Pompeo, em seu anúncio, afirmou que a "tentativa do presidente Barack Obama de moderar o regime" não funcionou, e por isso Trump decidiu levantar a suspensão das disposições da lei.

Desde a aprovação da Helms-Burton Law, todos os presidentes estadunidenses enviavam uma notificação semestral ao Congresso em que afirmavam o vigor dos títulos III e IV, sobre a restrição de entrada de cubanos que foram acusados de confiscar propriedades. Trump, no entanto, modificou essa prática, chegando a notificar os congressistas a cada duas semanas.

Em março, a prática começou a ter efeitos: a Casa Branca primeiro anunciou que permitiria que cidadãos estadunidenses de origem cubana poderiam processar empresas que funcionam sob a tutela dos militares de Cuba e que foram confiscadas durante a Revolução. A medida teve validade por um mês, como prevista no título III. No entanto, o anúncio de Pompeo estendeu a vigência da regra para um período indeterminado.

Quando a Helms-Burton foi aprovada, os EUA receberam críticas duras da União Europeia e de outros países que negociam com Cuba. A UE, de início, abriu um processo contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo resultado foi a suspensão de qualquer país que tivesse se comprometido a manter as normas da lei estadunidense. A decisão veio depois que a OMC estabeleceu um acordo com o então presidente Bill Clinton.

Ainda que o governo da ilha não tenha identificado quais são as fontes de investimentos estrangeiros que recebe, justamente para evitar que eles sejam objeto de sanções por parte dos Estados Unidos, se sabe que muitos países europeus têm negócios na ilha. Um informe recente da embaixada espanhola em Havana mostrou que 50% do dinheiro do exterior que entra no país é proveniente da Espanha -- o setor de maior peso é o turismo e os serviços financeiros.

Outro investidor maciço em Cuba é o Canadá, tanto no turismo como a mineração e na energia. A China, o Brasil e a Venezuela são outros países que já ocuparam papéis importantes na economia cubana.