Quando as seleções de Rússia e Arábia Saudita tocarem na bola, no dia 14 de junho, e iniciarem a 21ª Copa da história, muito mais do que apenas os 22 jogadores, as torcidas, as transmissões e os telespectadores ao redor do mundo estarão desfilando pelo gramado do estádio Lujniki, em Moscou. Ali, estarão também duas histórias nacionais de séculos que podem ser contadas pelos distintivos que cada seleção leva no peito.
Para além de alguns times nacionais, notadamente os sul-americanos e asiáticos, que levam nas camisas os distintivos de suas associações de futebol - a CBF, no Brasil, a AFA, na Argentina, a AUF, no Uruguai, a JFA, no Japão, etc., as seleções nacionais europeias ou do Oriente Médio costumam usar os brasões de seus próprios países ou de suas religiões oficiais. Outras tentam unir o logo de suas federações aos distintivos nacionais. É o caso da França, da Espanha, da Polônia, da Rússia, da Sérvia e de Portugal, entre outras.
No Mundial de 2018, a maioria das seleções vai vestir uniformes produzidos pela adidas: serão 12. Em seguida, está a Nike, com 10, a Puma, com quatro, e outras cinco empresas com um time cada: New Balance, Umbro, Hummel, Erreà e Uhlsport.
Apesar de todas as histórias, as camisas são rentáveis: a clássica azul da França é a mais vendida pré-Copa, segundo a Reuters. Até as camisetas voltadas para os pequenos, como as da linha adidas infantil, estão em alta nos mercados europeus.
A seguir, contamos a história de quatro distintivos que estarão nos gramados russos a partir da semana que vem.
Rússia - Águia de duas cabeças
Apesar da foice e do martelo terem sido o brasão da URSS entre 1923 e 1990, o atual emblema da Rússia - e distintivo da seleção nacional - é até mais antigo do que o anterior: a águia com duas cabeças, aliás, é um dos símbolos mais antigos dos estados europeus. Nele, estão representados elementos do cristianismo, do paganismo, dos grandes impérios, do feudalismo e até dos ensinamentos de Zaratustra.
A águia apareceu inicialmente durante o reino dos hititas, que ocupava o que hoje é o território da Turquia, nos séculos 17 a 12 a.C., e era uma segunda versão do brasão romano, que possuía a águia com uma única cabeça. Quando apareceu como símbolo de impérios do Leste e da Europa Ocidental, se tornou também o brasão do cristianismo. No século 13, enfim, ele substituiu um tridente - que simbolizava a antiga dinastia no poder - como emblema de Chernigov, hoje Ucrânia.
No final do século 15, o grão-príncipe Ivan III, conhecido como “coletor das terras russas”, mudou o nome do território de "Rus" para “Rússia”, momento também em que as duas cabeças se tornaram o brasão do Estado. Ao longo dos séculos, cada czar russo mudou a forma das águas ao seu gosto.
Uma das principais alterações era a quantidade de coroas nas cabeças da ave que representavam a ideologia do Estado vigente. As cabeças já tiveram duas coroas (igualdade entre os poderes seculares e eclesiásticos) e três coroas (após a vitória do poder do rei sobre o patriarca ortodoxo). Para enfatizar o caráter cristão do Estado, perto da águia de duas cabeças foram colocados os arcanjos Miguel e Gabriel. Hoje, há a imagem de São Jorge esmagando a cabeça do dragão, símbolo da antiga dinastia Romanov.
Depois da URSS, em 1993, por decreto do então presidente Boris Yeltsin, o símbolo adotado como o brasão do Estado voltou a ser as águias, assim como o time nacional, que deixou de exibir o famoso CCPP no peito da camiseta vermelha.
Portugal - Cruz da Ordem de Cristo
O conhecido símbolo que veste a camiseta grená da seleção portuguesa é especialmente famoso no Brasil por sua presença em clubes de futebol brasileiros. Ela está, por exemplo, nos escudos do Vasco da Gama (RJ), da Portuguesa Santista (SP) e do São Gabriel (RS). O Belenenses, de Portugal, e o Vasco Sports, da Índia, são outros times ao redor do mundo que levam a cruz.
A história da Ordem de Cristo é longa: data-se do século XIV, quando o rei português D. Diniz criou a Ordem da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo para reaver os bens que a Coroa havia doado à Ordem do Templo, extinta pelo papa em 1310. Ela ganhou importância dois séculos depois, quando um dos líderes do período das grandes navegações, o infante D. Henrique, se tornou um dos mestres da Ordem. A missão dele era expandir as fronteiras do cristianismo para além da Europa e, para isso, tinha a benção do Papa.
A partir do reinado de D. Manuel, o monarca português também passou a ser o grão-mestre da Ordem de Cristo, o que lhe enriqueceu e a tornou poderosa, passando a ter jurisdição temporal sobre as terras descobertas pela Coroa, como o Brasil. Até 1521, a bandeira real portuguesa (portanto, também brasileira) era dominada pela Cruz de Cristo. Os bandeirantes levaram-na consigo e mesmo depois da Independência brasileira a bandeira imperial seguia tendo uma Cruz de Cristo. O distintivo na camiseta da seleção, cabe dizer, mantém um parecido que aparece na bandeira portuguesa.
Marrocos - Selo de Salomão
A bandeira do Marrocos, assim como o distintivo da seleção, dizem respeito à mesma coisa: o rei Salomão. A bandeira vermelha, cuja cor também está na camiseta do time, é vermelha e, ao centro, aparece uma estrela em pentagrama de borda preta e cor verde.
Apesar do vermelho ser mais comumente associado com os estados árabes do Golfo Pérsico, o vermelho junto com o verde são cores tradicionais em bandeiras árabes, como o caso da Argélia. De qualquer forma, o vermelho tem um significado histórico no Marrocos: proclama a descendência da família real Alaouite do profeta islâmico Muhammad.
Sob a dinastia Alaouite, a bandeira marroquina foi baseada no vermelho. A estrela verde de cinco pontas foi adicionada apenas em 1915, quando o rei Mulay Yusuf governou o país. O pentagrama verde foi desenhado com cinco linhas estreitas, cada uma representando um dos cinco pilares do Islã. O estilo da estrela foi longamente utilizado pelas religiões como símbolo do rei Salomão, que na Bíblia é relatado como governante de Israel, e é conhecido também como "Selo de Salomão" ou "Selo de Muhammad".
O verde, claro, é a cor do islamismo. Portanto, o distintivo marroquino é apenas uma representação do selo dentro de uma bola com o nome da federação local de futebol.
Quando a França e a Espanha governaram o Marrocos, a bandeira foi banida em muitas partes do país, mas depois da independência nacional, em 1956, ela voltou a ser utilizada. Hoje, é comum vê-la na maior parte dos prédios e dos templos religiosos de Marrakech, Medina ou Gueliz.
França - Galo galego
Desde que a seleção francesa disputou seu primeiro jogo oficial, em 1909, a cor da camiseta é a mesma: o azul - que rendeu o apelido de "Les Bleus" ("Os azuis") ao time. Sob o peito, da mesma forma, o distintivo nunca deixou de ser um galo galego. A forma do animal mudou significativamente com os anos, mas a tradicional representação da ave permaneceu por ser também o emblema moderno da própria França. Hoje ele pode ser encontrado esculpido em vários edifícios e monumentos pelo país.
O galo lembra as origens galegas da França. O símbolo foi inicialmente adotado, acreditam os linguistas, por causa de um trocadilho entre a palavra latina gallus e o antigo estado de Gália. Os inimigos franceses faziam a piada pela suposta arrogância do povo que ali vivia, mas acabou se tornando o símbolo da França quando ela, como nação, se constituiu.
Para além de sua estranha origem, o galo tem um valor simbólico significativo: a fé e a luz. Seu canto matinal representa, segundo os franceses, a vitória da luz sobre as trevas e do bem sobre o mal. Para além dos significados, a Reuters divulgou no começo de junho que a camiseta da seleção francesa era a mais vendida no mundo entre as seleções classificadas para a Copa.Escrever Noticia.