Seria isso fruto da imaturidade emocional do homem ou parte de uma cultura historicamente machista? Após analisar 107 processos em tramitação nos tribunais do júri fluminense, que julgam casos de atentado contra a vida, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro concluiu que 33% das ocorrências de agressão contra a mulher parte da resistência em não aceitar o fim do relacionamento.
O levantamento foi divulgado na sexta-feira (6) para marcar o Dia Internacional da Mulher, que será comemorado no domingo (8). Segundo a pesquisa, uma em cada três agressões é atribuída à dificuldade do autor do crime em aceitar que ela quer se distanciar e levar uma nova vida. Outros motivos foram: discussão por razões diversas, vingança, ciúme, estupro e recusa da vítima em manter relação sexual.
A pesquisa mostra como mais comum o perfil de mulheres entre 21 e 40 anos, atacadas em casa, geralmente à noite ou de madrugada, a faca ou a tiros, pelo companheiro ou ex-companheiro. São elas as principais vítimas de tentativa de feminicídio. A pesquisa traçou um panorama dos assassinatos de mulheres no estado.
De acordo com os dados, a maior parte dos crimes ocorreu entre pessoas que namoravam, estavam casadas ou vivendo em união estável (40%) ou tinham uma relação anterior (42%), sendo que 62% dos relacionamentos eram de até cinco anos. Quase todas as mulheres foram submetidas a episódios anteriores, registrados ou não em delegacia, de violência doméstica.
Outro dado importante, segundo o estudo, muitas não denunciaram os agressores por medo ou porque foram coagidas por eles. A maioria dos crimes ocorreu de noite (39%) ou de madrugada (34%). Juntos, observa-se que 73% dos crimes foram praticados no período de descanso. Além disso, em 72% dos casos, a agressão ocorreu na residência da vítima. Os autores utilizam, em 44% dos casos, uma faca para cometer o crime, seguida da arma de fogo (17%).
Violência anterior - O trabalho consistiu na leitura e análise documental de processos sobre o assunto. Dos 107 processos estudados, ajuizados entre 1997 e 2019, 40 foram julgados, dos quais 31 terminaram em condenação. No total, 69 contêm relatos de violência doméstica anterior, apenas 23 dos quais anotados na folha de antecedentes criminais do autor.
"O que chama a atenção é que vários processos têm relatos de violência doméstica anterior, mas em muito poucos foi acionada a polícia ou houve o registro de ocorrência dessas violências anteriores. A gente tem que procurar entender por que tantas mulheres ainda vivenciam o ciclo da violência, mas não se socorrem das medidas protetivas de todo o sistema que a Lei Maria da Penha oferece para prevenir um fato mais grave", disse a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, Flavia Nascimento.
De acordo com a defensora pública, é preciso investir mais na qualificação e sensibilização dos profissionais que atuam na rede de proteção à mulher nos sistemas de justiça e de segurança pública para as questões de gênero.
Segundo Flavia, a dificuldade em intimar o réu é um dos motivos para o atraso nos julgamentos, mas a maior demora para a conclusão dos casos ocorre ainda na fase de inquérito policial. "Isso contribui para que a mulher desacredite no sistema de justiça como uma das alternativas para a solução do seu problema de violência doméstica", acredita.