Lev Yashim, lendário goleiro da antiga União Soviética, também conhecido como "Aranha Negra" (Foto : Arquivo Fifa) Os deuses do futebol parecem crianças travessas que brincam com o destino do goleiro, esse ser tão quase sempre contestado e obscuro da peleja. Nem nasce a grama no lugar onde pisa o personagem mais solitário de uma festa esportiva. Gritos de “frangueiro”, “mão de alface” ou “braço curto” ecoam nas gerais, mas ele continua lá, buscando firmar-se em uma estabilidade psicológica e postado à espera de um momento melhor para resgatar suas perdas morais dentro de um confronto.
Como saber se sua mente está nesse momento vagando pelas reminiscências de uma época de infância? Bem sabem os boleiros do procedimento que é padrão no “terrão” das peladas e terrenos baldios do bairro, pelo menos onde ainda sobra uma área plana para um bate-bola. Para compor o time, primeiro são escolhidos os jogadores da “linha”, começando pelo craque, depois os zagueiros. E por último, sobra quem? É aquele de menor qualidade técnica, o gordinho mais lento, ou o menino que usa óculos, que acaba sendo escalado pra jogar no gol.
E foi assim, ou quase sempre assim, que no “preconceito’ do campinho” se fizeram grandes goleiros da história, não só no futebol brasileiro, mas em qualquer terreno baldio do mundo. Momentos de glória consagraram Oberdan Catani, Cabeção, Muca, Gilmar, Félix, Valdir de Moraes, Dida, Tafarel, e muitos outros. Ao tomar gosto pela posição, o goleiro - ou como era denominado no passado, arqueiro, goalkeeper ou guarda-metas - assumia o espaço “sagrado” embaixo dos três paus. E quantos não escreveram sua epopeia?
Hoje, usam jaquetas coloridas. Outrora, os senhores de roupa toda preta, cor da solidão, da introspecção, do misticismo, do medo e prazer, esperando um lampejo de astúcia com a antevisão do lance, aquela lucidez que permite defender a tal "bola do jogo", aquele petardo da entrada da área ou um pênalti decisivo. Esse ser decisivo em uma contenda transita entre os dois mundos, de herói a vilão em questão de minutos.
Após o triste episódio do “Maracazo” de 1950, o goleiro brasileiro Barbosa foi proibido de entrar no Maracanã. Morreu pobre e abandonado em um quartinho de pensão na cidade de Santos. Gilmar dos Santos Neves viveu o inferno após uma goleada em que o Corinthians levou 7 a 3 da Lusa, e foi praticamente expulso de Parque São Jorge. Nos anos seguintes, veio a consagração: foi bicampeão mundial pelo Santos FC e também com a Seleção Brasileira.
Enfim, o goleiro está no limiar onde glória e tragédia traçam paralelos de eternidade, porque é nos lendários templos da prática do esporte bretão e agora, nas modernas arenas, que o goleiro continua sendo o maior e último obstáculo para o craque que busca o delírio das arquibancadas. Roubar para si esses instantes de visibilidade é como se sentir um penetra em festa de família.