Nas últimas três vezes em que trocou de carro, o funcionário público Silas Pontes, de 53 anos, preferiu recorrer às tradicionais regiões “especializadas” em comércio de automóveis de São Paulo e da região metropolitana, como as avenidas Edgar Facó, na zona oeste, a João Paulo, na zona norte, além da Autonomistas, em Osasco. Nos anos 1990 e início dos anos 2000, era comum o movimento intenso de pessoas nessas regiões aos fins de semana procurando veículos ao mesmo tempo em que levavam os seus para envolvê-los em possíveis trocas.
Os vendedores instalavam representantes bancários dentro das concessionárias para facilitar a tomada de empréstimos e costumavam destacar alguns veículos mais novos nas calçadas para instigar quem passava pela rua a entrar. “A minha geração se acostumou a comprar carro usado dessa forma: a gente mesmo ia ver as condições, os quilômetros rodados, conversava com os vendedores, levava o mecânico para avaliar o motor. Às vezes ia com o dinheiro todo dividido nos bolsos. Foi assim que eu comprei um Escort, em 97, e um Kadett, em 2000”, conta.
A sua última troca - de um Astra Hatch 2.0 fabricado em 2002 para um Hyundai HB20 Sedan modelo 2015 – ainda foi realizada dessa forma: após rodar pelas famosas avenidas avaliando os custos-benefícios, fechou negócio em uma concessionária da avenida João Paulo, na Freguesia do Ó. No entanto, já encontrou diferenças enormes em relação ao que modo do passado. “Percebi que não se compra mais carro como antigamente” revela.
Consumidores como Silas são cada vez mais raros. Com a expansão de sites especializados em vendas de carros novos e usados – que também produzem resenhas sobre os fabricantes e os modelos –, linhas de crédito específicas para esse tipo de aquisição e uma grande variedade de opções, muitas de veículos ainda em ótimas condições, o mercado de seminovos foi totalmente reestruturado, o que significou um crescimento do setor como um todo: segundo a Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), o mercado de automóveis usados com três anos de uso ou mais cresceu 24% em 2016, seguindo uma taxa de elevação de 2015, quando fechou o ano com um incremento de 33,64%. Em relação aos seminovos (carros com menos de três anos de uso), o ano ficou estável, com um ligeiro crescimento de 0,21%.
Alguns motivos são listados pelo setor para essas imensas mudanças:
Maior número de modelos no mercado Nos últimos vinte anos, a indústria de carros brasileira teve uma expansão em ritmo avassalador. Para se ter uma ideia, a produção total de veículos no país em 1996 foi de 1.623.135 unidades, enquanto no ano passado esse número chegou a 2.156.356 automóveis montados – um aumento real de 32%, segundo a série temporal divulgada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Além disso, se o mercado registrou quedas nas vendas em 2015 e em 2016, a série histórica ainda mostra um crescimento na produção e nas vendas, que tiveram um auge em 2012, ano em que a indústria automobilística montou mais de 3 milhões de unidades.
Esse crescimento quantitativo também pode ser verificado em qualidade: os carros passaram a ter modelos mais variados, cores novas, pacotes de itens de série e opcionais mais complexos e tecnologias que facilitaram a vida dos motoristas, como a que permitiu o abastecimento tanto com gasolina como com álcool, os chamados flex.
Facilidades fiscais Como parte das medidas dos últimos governos para aquecer a economia interna durante a crise no exterior, iniciada em 2008, os juros dos veículos usados e novos – assim como de outros bens duráveis, como eletrodomésticos – caíram relativamente, da mesma forma que os tributos cobrados pelo Estado, como o IPI. Além deles, os bancos aproveitaram a esteira para oferecer créditos instantâneos com prazos mais longos para pagá-los. Se antes uma pessoa podia ficar no máximo dois anos em dívida por um veículo, houve um momento em que os consumidores podiam ter parcelas estendidas por até meia década.
Essa é, inclusive, uma das explicações da Fenauto para o movimento positivo no mercado de seminovos nos últimos anos: com as baixas recentes na indústria de veículos novos, resultados da crise econômica que agora atinge o Brasil, os compradores encontraram no setor de seminovos a possibilidade de conseguirem bons produtos por preços mais convincentes, além das facilidades para pagar serem praticamente as mesmas. Hoje, um carro usado ainda pode ser financiado com juros baixos – não tanto como há alguns anos atrás – e com grandes prazos para pagar.
Sites especializados que ajudam na hora da escolha Se nos anos 1990 e no início dos anos 2000 uma pessoa que quisesse trocar de carro dependia de domingos livres, paciência para andar pelas concessionárias avaliando os veículos disponíveis, conversando com os vendedores, anotando preços, checando dados das autoridades de trânsito, calculando possibilidades de pagamento e até levando o mecânico de confiança para avaliar as condições do motor e do câmbio, hoje há quem faça tudo isso para ela em pouco tempo e em qualquer lugar que essa pessoa estiver: os sites e aplicativos especializados em mercado de automóveis, como a Webmotors.
Segundo dados da própria plataforma, o número de propostas para comprar um veículo usado no site aumentou 13% em 2016 na comparação com o ano anterior. Ainda segundo a empresa, houve um aumento de tráfego de 30% de usuários de um ano para o outro, além de um aumento total de visitas ao site de 7%, o que demonstra o crescimento de pessoas que preferem uma busca rápida e no conforto de casa ou nos períodos livres no trabalho para planejar a troca de carro.
Informações mais precisas sobre os veículos disponíveis O crescimento de sites especializados leva a outro benefício ao consumidor: o aumento de informações circulando que o ajudam na hora de decidir por qual modelo escolher. Silas, por exemplo, se envolveu em um negócio ruim há alguns anos por falta de conhecimento. “Comprei um Gol fabricado nos anos 1990 que só me deu dor de cabeça. Quando fui vendê-lo tive contato com outros donos do mesmo carro e com vendedores que relataram problemas semelhantes ao meu, mas até ali eu já tinha gasto muito dinheiro para mantê-lo rodando”, relata.
Os sites e aplicativos especializados, pensando nessa demanda do mercado, passaram a investir em espaços paralelos ao mercado para analisar os problemas mais recorrentes envolvendo veículos antigos, como falhas mecânicas comuns entre modelos ou particularidades, como o consumo excessivo de combustível, caso da Palio Weekend 1.6. As avaliações permitem que as compras sejam feitas com mais cuidado, beneficiando não apenas os consumidores – que levam um produto melhor para suas casas – como os vendedores, que podem fidelizar clientes.