As mudanças que a Operação Lava Jato deixará aos livros de Direito

Com mais de três anos de existência, processo da PF já é considerado um dos mais importantes da história do país


“Uma mudança definitiva na relação entre políticos e empresários”, “teste de legitimidade para a Justiça brasileira”, “oportunidade histórica para mudanças” e algumas comparações concisas com a Operação Mãos Limpas, que movimentou o ambiente político e econômico da Itália nos anos 1990. Com mais de três anos de duração, a Operação Lava Jato ainda não conseguiu ser inteiramente definida nem mesmo pelos seus atores principais, apesar da sensação de que já modificou as ideias existentes nos livros de Direito. 

Em outubro do ano passado, o ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, foi um dos primeiros a perceber esse papel da operação. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele disse que o trabalho da Polícia Federal demonstrou como o Direito Penal brasileiro é inoperante no controle da criminalidade, além de criticar a prerrogativa do foro especial para representantes políticos. 

“A Operação Lava Jato demonstra a existência de um Direito Penal absolutamente ineficiente que não funcionou, durante anos, como mínima prevenção geral para evitar um amplo espectro de criminalidade”, disse à época. 

Barroso chegou a sugerir, no caso do foro especial, que fossem criadas duas varas federais especializadas em ações criminais e improbidade administrativa, com juízes escolhidos pelo STF. Com isso, o tribunal desafogaria o excesso de processos que precisa analisar. “Aqui o recebimento de uma denúncia leva, na média, quase dois anos. O sistema é ruim”, afirmou. 

De fato, essa é uma primeira mudança palpável que o âmbito da Operação Lava Jato proveu: em maio deste ano, o Senado aprovou de forma unânime o projeto de encerrar o foro privilegiado em caso de crimes comuns para deputados, senadores, ministros de Estado, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça. 

Se passar na Câmara dos Deputados – onde será votada em dois turnos –, a proposta fará com que todas as autoridades e os agentes públicos hoje beneficiados pelo foro respondam a processos iniciados nas primeiras instâncias da Justiça comum. As únicas exceções são os chefes dos três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o vice-presidente da República. 

Em março de 2016, quando a Operação Lava Jato já havia desembocado, entre outras coisas, num processo de impeachment, alunos de Direito da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, também resolveram observar as mudanças que ela obrigaria o Direito a fazer. Uma das formas de fazer isso foi criar um grupo de estudos sobre a corrupção no país. 

O primeiro estudo do grupo foi analisar a Lei Anticorrupção aprovada pela Medida Provisória 703, editada em 2015 durante o auge dos protestos de rua pelo país. Com ela, a Operação Lava Jato não apenas modificou a forma do fazer jurídico, mas também se valeu dela. “O objetivo primeiro dessa lei é punir as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção contra a administração pública. Um dos principais mecanismos previstos nela tornou-se conhecido com a Operação Lava Jato – é o ‘acordo de leniência’”, diz um trecho do documento apresentado pela equipe. 

Para além de mudanças isoladas, o professor do curso de Direito da FGV do Rio de Janeiro e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Falcão, acredita que foi o período democrático e o julgamento do Mensalão que deu legitimidade à Justiça brasileira por parte da sociedade. 

“A Justiça vem mudando desde 1988. Porque antes ela não tinha voz. Só quem tinha voz eram as presidências militares. Com a democracia, ela conquistou a liberdade de falar”, opina. 

Por fim, a Operação Lava Jato revisitou um elemento importante da Justiça brasileira herdada do império português e que existia desde que o país foi invadido pelos europeus: a delação que, no caso moderno, adquiriu o status de “premiada”. 

Em um artigo publicado recentemente, o advogado Fabio Cardoso mostra que, apesar de ter sido criada nos anos 1990 enquanto lei, a delação na Justiça brasileira teve diversos momentos, passando de casos de lavagem de dinheiro a organizações criminosas, o que dificulta uma definição clara dos métodos e procedimentos adotados pelos juízes para usá-la. 

“A legislação brasileira é omissa quanto à clareza dos procedimentos, haja vista possuirmos diversas legislações que tratam do mesmo instituto”, diz ele. “A delação demonstra ser um meio de prova, mesmo que inominada, pois é inequívoco que o seu valor probatório serve para convencer o juiz quanto à materialidade e autoria do suposto fato criminoso”, completa. 

Portanto, é possível dizer que a escolha do juiz federal Sérgio Moro, da Vara de Curitiba, pelo método da delação premiada, valeu-se também de um aspecto subjetivo, já que não havia uma única maneira de utilizá-la na Justiça do país.