Relação entre gatos e a Covid-19

Pesquisadores brasileiros criticam estudos chineses e afirmam que cautela é a melhor saída até o momento


Tigresa Nadia, do zoológico do BronxTigresa Nadia, do zoológico do Bronx (Foto : Divulgação)

No último domingo (5), o caso da tigresa Nadia, do zoológico do Bronx, em Nova York, que testou positivo para o novo coronavírus repercutiu no mundo inteiro. Segundo os noticiários dos Estados Unidos, assim como outros felídeos do parque, ela teve contato com um tratador diagnosticado com a covid-19 e que todos vêm apresentando sintomas leves, como tosse seca e falta de apetite.

Ainda nas últimas semanas, foram divulgados também casos de um gato e dois cães portando o vírus, na Bélgica e em Hong Kong, todos morando com humanos infectados. "Estatisticamente, são casos isolados e, epidemiologicamente, esses animais não representam fonte de infecção significativa, com potencial de disseminação da doença", assinala o médico-veterinário Fernando Zacchi, assessor técnico da presidência do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). "Portanto, a validade dos testes de Sars-CoV-2 em animais de estimação torna-se, no mínimo, controversa, já que saber que o animal possui o vírus, pelo menos no estágio de conhecimento que possuímos agora, não significa que essa possa ser uma informação útil", sentencia.

O assessor técnico do CFMV explica que há duas formas de se identificar agentes infeciosos virais nos animais: a identificação direta da partícula viral; e a indireta, que sinaliza a resposta imune do paciente ao vírus ou seus componentes. "A presença do vírus, isoladamente, tem pouco valor diagnóstico, pois apenas nos informa que o animal teve contato com o agente, sendo necessários outros testes e acompanhamento epidemiológico para obtermos uma informação mais apurada", detalha Zacchi.

Para Zacchi, detectar partículas virais no animal não significa que ele tenha a capacidade para replicá-las e transmiti-las, ou seja, não há motivo para pânico, muito menos para que se abandone animais sob pretexto de proteger-se do novo coronavírus.

"Existe uma grande diferença entre encontrar o agente infeccioso e o animal ser capaz de desenvolver e transmitir qualquer doença. Os estudos até o momento não indicam que haja transmissão de cães e gatos para seres humanos. A forma comprovada de disseminação é de pessoa para pessoa, tanto que organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), não indicam testagem para animais domésticos, pois isso só confunde a população e desvia o foco das ações que realmente devem ser tomadas", diz.

Coordenadora da Unidade de Animais Silvestres do Hospital Veterinário da Universidade de Brasília (HVet/UnB), a professora Liria Hirano observa que, no zoológico americano, apenas um animal foi testado, entre os cinco que apresentam sintomas para a Covid-19, pois o procedimento é complexo, feito sob sedação. "É uma iniciativa válida, pois estamos tentando entender os ciclos dessa zoonose agora presente no mundo todo. O ideal, no entanto, é não causar alarme", comenta ela.

Estudo chinês com gatos é criticado por pesquisadores brasileiros

O desencontro de informações, entretanto, cresce até mesmo entre os profissionais. Um estudo feito por pesquisadores chineses e ainda não avaliado por pares foi notícia na revista Nature, na semana passada, e vem causando polêmica e questionamentos no meio da Medicina Veterinária. Cães, porcos, galinhas, gatos, furões e patos foram expostos a altas doses de SARS-CoV-2 e a conclusão foi de que a capacidade de replicação e infecção se mostrou relativamente alta entre furões e, mais ainda, em gatos.

O estudo e sua divulgação pela conceituada revista gerou críticas de pesquisadores brasileiros, publicadas no Jornal da USP, da Universidade de São Paulo. Na reportagem, o professor Paulo Eduardo Brandão, do Laboratório de Zoonoses Virais da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP), é enfático: "Se eu fosse revisor e recebesse esse artigo, negaria a publicação".

As falhas observadas no artigo chinês geraram um texto escrito por Brandão, em colaboração com a professora Aline Santana da Hora, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O objetivo dos pesquisadores brasileiros foi alertar para que não se tomem conclusões precipitadas, bem como ajudar colegas que não possuem conhecimento pleno em virologia.

Cautela é a única certeza

Zacchi destaca a orientação da OIE e do CFMV de que os animais domésticos não devem manter contato com pessoas infectadas. "O tutor infectado, ao espirrar ou tossir, poderá espalhar partículas com vírus na pelagem do animal. Se o pelo estiver contaminado e outra pessoa o tocar, não há garantia de que não haverá transmissão", adverte o médico-veterinário, que reforça a recomendação para que os pets que só fazem suas necessidades na rua devem ter as patas bem higienizadas, ao retornar, mantendo distância de outras pessoas e animais durante o passeio.

Nicomedes ressalta, ainda, cuidados como lavar as mãos sempre que tocar os animais e empenhar-se em mantê-los dentro de casa, além de delegar seus cuidados a pessoas que não estejam doentes e tomar cuidado com notícias alarmistas, sem confirmação científica. "Devido ao excesso de informações, não completamente validadas pela ciência, pode ocorrer uma outra grande catástrofe, que seria o abandono injustificado de animais domésticos pela população em pânico. Agora, o que deve prevalecer é a racionalidade", conclui.